Carregueira, negra e querida Carregueira 💜

Lá fomos, ontem, até à Carregueira e sim, está tão mal ou pior do que se esperava, uma dor de alma.

Se, no início de Agosto, a Carregueira, terra dos meus antepassados pelo lado paterno, escapou às chamas que assolavam Mação, também vindas de Vila de Rei, desta vez a aldeia foi  TODA  apanhada, o fogo chegou em 10 minutos e propagou-se, com o vento a ajudar, por todo o vale, sem que se pudesse fazer grande coisa. Houve quem saísse antes para Mação que fica a cerca de 7 km e passados 15 minutos já não conseguisse regressar porque a estrada, ladeada de floresta, já estava cortada. De início, nem os bombeiros conseguiram passar a tempo de dominar a besta, quando chegaram, que chegaram, foi no final e já só lhes restava meio depósito de água pelo que, tiveram de ser as pessoas da aldeia (e penso que também com a ajuda do kit de 1ª intervenção disponível na casa do povo), a fazer a maior parte do trabalho de combate ao fogo e fizeram-no com bravura e coragem, é o mínimo que se pode dizer. 

Foi de tal forma que nem os animais conseguiram salvar, galinhas e faisões e sei lá mais o quê… Em 10 minutos foi tudo consumido pelas chamas, incluindo algumas casas, até de habitação permanente. Aqui longe fica-se a sofrer, mas quem esteve lá a lidar com aquilo, não quero nem imaginar o que terão passado. Basta olhar para se perceber o quão terrível foi.

Sabiamos que a casa se safou, temos grupos no Facebook para a Carregueira e até no WhatsApp e sabe-se as notícias, mas foi por pouco já que do outro lado da rua é pinhal, com uma casa ao lado e o fogo foi detido mesmo ao lado dessa casa… Mesmo assim, fomos ver o estado da casa, se entrou água ou seja o que for, era o mínimo que podiamos fazer já que, quem a salvou… sem palavras… enfim, agradecimento permanente para essas pessoas que ainda por cima são quase todos da nossa família, uns mais perto que outros, mas quase todos parentes.

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A caminho

Fui com meu pai, a minha Joana no carro dele e a minha irmã, cunhado e sobrinha mais nova no carro deles. Almoçamos todos em Mação e como na volta era eu a indicar o caminho, passamos pela parte de cima da minha horta favorita, a linda Vajona, banhada pelo seu ribeiro, onde o meu avô Manel não queria que molhasse os pés com a informação que há uns anos a montante ali tinham lavado as roupas de um morto… enfim, conselho obviamente ignorado até porque não fazia grande sentido e sabia muito bem molhar ali os pés 🙂

Vajona antes e depois.png
Vajona de agora, negra e com a ribeira negra e há uns anos, quando sabia bem atravessar a ribeira a saltitar pelas pedras.
Foto da direita tirada por mim ao meu avô, irmã e cão Bambi.
Foto da esquerda tirada pelo meu cunhado a partir da estrada em cima.

Aparte: O cão Bambi acompanhou a nossa família, como sua parte integrante, entre +/- Janeiro de 1980 (nasceu a 1 de Dezembro de 1979), onde “entrou” com 1 mês, até à sua morte, no triste dia 10 de Março de 1993, situação que nos deixou a todos, incluindo a gata Ingrid, mesmo muito abalados até porque percebeu que ia morrer e se despediu de toda a gente, um por um, começou por mim, esperou que acordasse e como que me beijou, depois sentou-se na cama da minha irmã e quando acordou fez-lhe a mesma coisa, depois foi ao meu pai que fazia a barba e tambem se despediu, depois deitou a cabeça no colo da minha mãe que lhe fez uma festa e por fim encostou o focinho na gata, como que também a beija-la… em seguida, esgotado, teve um ataque cardíaco e caiu no chão do corredor… em pânico, ainda consegui ligar a um veterinário desconhecido e ao calhas, que, coitado, ia a conduzir para o emprego e nem nos conhecia mas que me deu a assistência telefónica como pôde (há sempre pessoas boas), mandou meter o comprimido para o coração debaixo da língua, etc. etc. mas não se conseguiu fazer nada, senti o coração parar na minha mão e foi de facto um choque para toda a gente… pela primeira e única vez ví o meu pai a chorar disfarçadamente, todos nós choravamos porque no meio das suas muitas tropelias ele era um membro da nossa família e até a gata Ingrid entrou em choque e escondeu-se dentro de um armário durante vários dias, sem sequer sair para comer. Sabendo que esse processo de luto a pode mesmo matar, porque há vários casos de animais que com um choque desses morrem, levei lá para casa um gatinho tipo Siamês, que a minha mãe chamou Leão (quer dizer, primeiro Leoa, mas quando se atirou da janela, ao verificar a temperatura, a veterinária, colega do Dr. Cid que deu a primeira assistência, ainda na Av. de Ceuta, descobriu que ups, afinal a Leoa é um Leão) e foi de facto esse animalzinho pequeno que a tirou desse processo de luto, primeiro como se fosse uma ameaça que gerou muitos sopros, depois adoptou-o como se fosse sua mãe…

O Bambi foi enterrado no Jardim Zoológico de Lisboa, na caixa de uma televisão cedida pela Grundig, ali ao lado e foi levado, por uma questão de espaço no porta bagagens, no carro do avô do meu filho Pedro, que estava ainda a anos de nascer, avô esse, Zeca, que morreu precisamente se não me engano, um ano depois, naquela que considero a minha semana do ano arrepiante em que, todos os dias daquela semana acontece uma coisa má, num dia a morte do Bambi, noutro dia dessa semana com exatamente um ano de diferença, o acidente da minha mãe, noutro dia dessa semana, exatamente com um ano de diferença, a morte do meu sogro Zeca, noutro o acidente da minha mãe (com o autocarro da Vimeca) e noutro a morte da minha mãe… daquelas semanas de Março que deixam sempre uma pessoa numa de… que mais irá acontecer… Felizmente nos últimos anos não tem acontecido nada, ufff…

Quanto ao meu pai e por mais de uma semana, sem se aperceber, terminava o jantar e levantava-se andando de um lado para o outro da cozinha durante o tempo em que antes o costumava passear e depois lá se tornava a sentar à mesa, acho que nem se apercebia disso mas de facto fazia-o.

Terminando a história, quanto a mim, sofri mesmo muito com a morte dele e percebi que não podia viver sem um cão… Como ele não tinha raça optei por comprar um cão de raça, Boxer que era uma raça de que gostava, como era macho, comprei fêmea e parece que acertei nessa nova companheira de vida, a Rufi, minha primeira Boxer, com quem comecei a ir até a exposições porque achava giro e que, quando me lembrava dele e começava a chorar, enlouquecia e me limpava as lágrimas da cara até eu me começar a rir com as maluqueiras dela, mas isso, a minha história com Boxers, já é mudar muito este aparte 🙂

Ali, na Carregueira, passei largos meses de verão, em vários verões seguidos, na companhia dos meus avôs paternos Luisa Marques de Matos e Manuel Alves Jana. Acompanhei passo a passo a reconstrução da casa antes tão degradada e ainda me lembro da minha bisavó Conceição Granja, como era conhecida na casa a vir com o seu candeeiro a petróleo, dormi com eles, durante as obras, na que é agora chamada cozinha do quintal, aprendi com eles a amar aquela terra que o meu avô dizia que deviamos conservar porque quando viesse a guerra, podiamos fugir para lá e ali ficar escondidos… Claro que eu lhe respondia sempre que a guerra agora se faz com mísseis mas ele respondia que… mesmo assim…. Também, na altura, eu achava que já só se vivia em tempos de paz, que já não havia guerra nesta nossa Europa, mas agora… será mesmo isso um dado assegurado? Será que os filhos, depois netos, que agora criamos com a certeza da paz, não vão enfrentar alguma guerra? Dos atentados terroristas à maluqueira de líderes de países que não batem bem da cabeça e que estão de facto no poder, cada vez mais????? Se calhar o meu avô, à sua maneira, até teria a sua razão, se antes achava que não, agora já não sei dar essa resposta 😦

Neste processo de aflição e saudade, fui redescobrir fotos dos meus albuns tiradas lá e todas me provocam um sorriso, apesar de um sorriso com alguma tristeza porque agora, com exceção da casa, está literalmente tudo reduzido a cinzas, tudo mesmo, hortas e pinhais e mais hortas e mais pinhais. A Vajona, a Milharada, a Malhada, a Serra do Penedo e mais isto e aquilo.

Mas aqui ficam algumas recordações:

Na Vajona:

Vajona Avô Manel e Cristina 20170822_163252
Foto tirada por mim ao meu avô Manel, minha irmã Cristina e meu cão Bambi, todos a passar o ribeiro que “serve” a Vajona e que inclusivé alimenta o poço.

Na Malhada:

Em cima de uma Oliveira na Malhada
Eu em cima de uma Oliveira a caminho da Malhada
Carla Avo e Bambi Malhada
Com meu avô e Bambi sempre alegre também a caminho da Malhada
Carla Avo e Bambi Malhada 2
Também com meu avô e Bambi a caminho da Malhada
Palheiro caminho Malhada
Eu, frente a um palheiro a caminho da Malhada
Cristina Bambi e Manel Malhada
08-08-1989 – Minha irmã Cristina, Bambi e avô Manel a caminho da Malhada 

Em Mação:

Meus pais e eu em Mação
Com meus pais Guida e Carlos em Mação
com minha irmã em Mação
Com minha irmã Cristina  em Mação

Na casa da Carregueira:

Avó Luisa no quintal
Avó Luisa no quintal da casa da Carregueira
Palmeira na arvore.jpg
O meu pombo correio, de estimação, Palmeira, que foi de férias connosco e se refastelou em cima da árvore… entre atacar a cabeça da minha avó à bicada, ele quando antipatizava com uma pessoa simplesmente atacava, no resto era simpático 🙂 atrás o meu avô Manel.

O triste disto é que, com exceção das fotos de Mação e as do quintal da casa, todo o resto está queimado, à Malhada e à Milheirada há apenas um caminho queimado em muito mau estado… as Oliveiras podem eventualmente renascer, quanto ao resto não se sabe realmente como vai ser, ou os proprietários se organizam ou enfim, daqui a 10 anos está tudo na mesma… do que vi, não sei sequer se as pobres das Oliveiras renascem, foi de facto muito muito mau, mas elas costumam ser sobreviventes.

No entanto há sempre a esperança, a certeza que aquilo mais ano menos ano vá renascer… depende também das pessoas fazer com que renasça de uma forma mais organizada, ou, dada a complicação do processo, não se sabe mesmo.

( ͡ʘ ͜ʖ ͡ʘ)

Carla

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